quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Eu, Daniel Blake


Nome original: I, Daniel Blake
Direção: Ken Loach
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Dylan McKiernan
Gênero: Drama
Ano: 2016


   
    Daniel Blake é um senhor que, após sofrer um infarto, começa um longo embate com os órgãos públicos pra conseguir receber auxílio financeiro do governo britânico enquanto está de licença médica. É o primeiro filme que vejo que trata do tema.
     A primeira cena do longa já é uma entrevista do Sr. Blake com uma funcionária do governo. Tendo já todos os documentos médicos que provam sua incapacidade de trabalhar, o personagem descobre nesse momento que está entrando numa maratona burocrática de invisibilização, desrespeito e humilhação.    
     Sem nenhuma trilha-sonora e com uma narrativa dura, com cenas como flashes de realidade nos quais a tela escurece antes de passar pro próximo, "Eu, Daniel Blake" é quase um documentário. O próprio nome do filme, uma autoafirmação do nome do personagem, demonstra seu objetivo principal: trazer à visibilidade um cidadão comum, completamente atropelado pela frieza do sistema burocrático de Estado Social que em seu princípio puro e esquecido tem como meta acolher os indivíduos, mas que na prática sucumbe à impessoalidade e à forma de tratamento do ser humano como uma máquina produtiva, um número. Cabe ressaltar aqui que é um cidadão pobre europeu, sendo esmagado pela máquina estatal, elementos bastante raros no cinema.     
     A incapacidade de escuta dos funcionários que lidam com Blake e com sua nova amiga Katie, mãe de 2 filhos e também dependente de auxílios, é cruel. O diagnóstico médico é ignorado durante todas as entrevistas e Blake continua sendo visto pelo governo como apto ao trabalho. A mecanização dos processos e a não possibilidade de abertura de exceções, tudo em nome de uma norma organizadora e eficiente, são devastadores para os cidadãos que se sentem como mendigando por um favor, e não por um direito. A dureza do embate com o governo só é amenizada pela ajuda e o carinho que Blake recebe dos conhecidos, sendo uma luz de resistência a tantas humilhações sutis e impessoais recebidas. O caráter pessimista do filme acaba sendo um pouco diminuído por essas formas de resistência afetiva.     
     Outra novidade é mostrar como defeitos que vemos tão perto, em nosso SUS e em todas nossas políticas públicas, são também presentes em países desenvolvidos. O forte vínculo entre burocracia, rigidez, racionalização de processos e frieza no tratamento faz com que as políticas de assistência esqueçam que estão lidando com seres humanos em situações de extrema fragilidade e que não podem ser resumidos a papéis e números. A burocracia, sistema de regras criadas por nós mesmos, chega a um nível que começa a nos mortificar, como se fossem procedimentos certeiros, únicos e inevitáveis e aos quais só nos resta a adaptação. Dessa forma, o usuário da outra ponta, no caso pessoas em situação de pobreza, acabam por se tornar peças não importantes nesse jogo. A singularidade do humano não deveria ser completamente ignorada quando tratamos do humano em seus momentos de maior fraqueza.     
     O filme de Ken Loach acaba sendo devastador pela carga política e afetiva que despeja na tela. Uma obra sobre a impotência frente a uma máquina política-governamental que insiste em não nos ver, que faz de seus funcionários seres surdos e meros reprodutores de normas cegas.
     
Conceito: Muito bom

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