segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Looking - o filme


Nome original: Looking
Direção: Andrew Haigh
Elenco: Jonathan GroffFrankie J. AlvarezMurray Bartlett
Gênero: Drama/Comédia/Gay
Ano: 2016

   
A série "Looking" contou, em duas temporadas, a história de 3 amigos gays moradores da badalada cidade de São Francisco. Como forma de encerrar a série, lançaram ano passado o filme de mesmo nome, continuação da história. Assisti as duas temporadas e digo que é uma série extremamente madura e realista, quase um diário de todo gay morador de uma grande cidade.
     Falar do filme aqui é também falar da série, pois o longa pareceu ser simplesmente mais um episódio, continuação da segunda temporada. Mesmos personagens e mesmas histórias de amor mal resolvidas. A grande qualidade de "Looking" é trazer quase todos os embates e questões subjetivas do gay assumido metropolitano. A identificação é tão grande que tive a impressão de ter feito parte da construção do roteiro. Um dos poderes do cinema: você vê que seus problemas e sua subjetividade não são tão singulares quanto pensava.
     No filme, Patrick, o personagem principal, retorna depois de 9 meses a São Francisco para o casamento do amigo. Toda a história se passa em um final de semana (vide o filme "Weekend", do mesmo diretor), no qual ele se encontra com seus amores do passado e se volta a seus padrões de relacionamento: ele tido como o covarde que foge ao sinal do primeiro problema. Uma coisa estranha do filme é a rapidez com que o personagem desenterra as coisas do passado e inclusive "resolve" uma delas, voltando com seu ex. O roteiro ficou um pouco forçado nisso, não tivemos tempo de ver uma transformação sutil. Seria uma forma proposital de mostrar a rapidez e liquidez dos nossos relacionamentos hoje?
     "Looking" continua sendo pra mim um modelo de série realista sobre o cotidiano de nós, gays de grandes cidades. Com ótimas atuações (Lauren Weedman perfeita como a amiga do grupo) e reflexões sobre a homossexualidade contemporânea, a série e o filme são um convite à intimidade dos personagens, que vivem questões tão...nossas.
     
Conceito: Bom

Love (3D)


Nome original: Love
Direção: Gaspar Noé
Elenco:  Karl GlusmanAomi MuyockKlara Kristin
Gênero: Erótico/Drama
Ano: 2015


      Em uma sessão de madrugada, fui ao cinema assistir "Love" 3D. Esperava muito, vi pouco.
     Às vezes quando acabo de assistir a um filme, fico em dúvida se tive problemas com o trabalho de um ator interpretando um personagem ou se não gostei foi do personagem em si. Aconteceu isso quando saí dessa sessão. O personagem Murphy, interpretado por Karl Glusman, é um jovem pai casado com uma garota mais nova e que vive em Paris. Após receber uma ligação de sua ex-sogra falando sobre o sumiço de sua ex-namorada Electra, Murphy entra em uma crise nostálgica na qual traz à tona lembranças de seu intenso relacionamento com a moça e reencontra antigos sentimentos. É nesse contexto que acompanhamos a vida sexual e amorosa do casal, propiciando as cenas de sexo explícito como nunca tinha visto no cinema (digo, em uma sala de cinema).

   
     Uma das críticas que tive com a obra já está nas entrelinhas do parágrafo anterior. A história de "Love" só serviu como uma desculpa para as cenas de sexo. Os monólogos chatíssimos de Murphy, e seus pensamentos narrados durante quase toda a trama fazem o filme se tornar chato e o personagem meio patético. Senti que a construção dos personagens foi meio mal feita, porque até nos tornarmos inteirados da história de amor de Electra e Murphy, já tínhamos assistido a longos minutos de lamúrias dele pelo fato da ex ter desaparecido. Pois bem, tive problemas com o personagem principal e também com a atuação de Glusman.
        Os recortes feitos do relacionamento de Electra e Murphy, além de nos trazerem as cenas de sexo (ménage, sexo em diversos lugares, sexo em casa de swing, sexo oral, sexo sem penetração, etc.) traz uma dinâmica confusa dos dois. Murphy é um rapaz de amor fácil, pois declarou seu amor a várias mulheres no filme, mas é por Electra que ele sofreu mais. Noé não dá um fechamento à história e parece não escolher uma mensagem clara a respeito dos temas mais tratados no filme: sexo e amor. Lendo de uma forma schopenhaueriana, o que percebi foi a proximidade entre amor e sexo, como se ambos se fundissem, ao contrário do senso comum que quer separá-los. Onde há sexo, pode-se dizer que há amor. O amor não é mais especial que sexo, seria mais como outra forma de nomeação.
     O que mais esperava do filme era as "belas cenas de sexo em plano aberto". Posso dizer que foram cenas bonitas, principalm
ente a cena do ménage, mas não tão impactantes quanto esperava. Em um momento senti que estava assistindo um filme do Lars Von Trier, devido à trilha-sonora parecida com a do "Melancolia" e aos planos parados de bela fotografia escura, como quadros renascentistas com jogos de luz e sombra. A trilha-sonora em geral foi de qualidade, alternando entra música clássica e ritmos eletrônicos.
     Sendo o primeiro filme 3D que assisto na vida, devo dizer que em alguns momentos há umas ilusões interessantes, como quando Murphy solta a fumaça do cigarro e temos a sensação que ela invade a sala e quando ele ejacula na cara dos espectadores. Destaque também para as cenas que se passam em baladas.
     "Love" é uma experimentação interessante, diferente, mas pelas atuações ruins e roteiro confuso e chato, tem suas qualidades de fotografia meio ofuscadas. 
     
Conceito: Regular

sábado, 28 de janeiro de 2017

Manchester à Beira-mar


Nome original: Manchester by the sea
Direção: Kenneth Lonergan
Elenco:  Casey AffleckMichelle WilliamsKyle Chandler
Gênero: Drama
Ano: 2016

     
     Indicado a vários Oscar, filme traz uma bela fotografia, com um roteiro intenso e dramático.
     Lee Chandler precisa retornar a Manchester, cidade que abandonou após uma tragédia pessoal, para cuidar dos arranjos do velório do seu único irmão que deixou sob sua responsabilidade seu sobrinho menor de idade. O personagem principal é mostrado desde o início como um homem mal-humorado e solitário, vivendo em seu quartinho e trabalhando como zelador de prédios. Quando é informado da precoce morte de seu irmão, Lee precisa ir a Manchester e então sua história começa a ser desvendada.
     Desde os primeiros planos, você pensa: puxa, que belas imagens. O frio constante e a neve fazem a fotografia ficar ainda mais bonita, e combinam perfeitamente com a dureza da história dos personagens. Sendo um filme tipicamente masculino (os principais personagens são homens), a obra de Kenneth Lonergan escapa do clichê de mostrar a relação tio-sobrinho como um vínculo de rivalidade constante, como acontece geralmente em filmes sobre relacionamentos entre homens. Desde o início vemos que a relação entre Lee e seu sobrinho foi afetuosa e próxima e, mesmo Patrick enfrentando a morte do pai no auge de sua adolescência, a relação dos dois não se tornou a típica história do "como conquistar o carinho de um adolescente rebelde". Pelo contrário, apesar de todo o sofrimento presente, a relação dos dois foi tratada de forma realística e madura.
     Outro aspecto que dá um refinamento ao filme é a trilha-sonora de violino que acompanha cenas marcantes como a cena da tragédia que destruiu a vida de Lee. Nessa parte, os planos são mudos e só escutamos a longa música clássica que inunda nossos ouvidos, fazendo as imagens ainda mais devastadoras.
     Casey Affleck soube incorporar perfeitamente a tristeza do personagem, que carrega uma história extremamente pesada. Durante todo o filme, a postura fechada e meio mórbida de Lee contrasta com momentos de afeto sutil com o sobrinho, fazendo o filme ainda mais comovente.
      Um filme sobre como viver o insuportável e o como (não) superá-lo.
     
Conceito: Excelente

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O Apartamento


Nome original: Forunshande
Direção: Asghar Farhadi
Elenco: Shahab HosseiniTaraneh AlidoostiBabak Karimi
Gênero: Drama
Ano: 2016

   
    Emad e Rana são casados e precisam sair de seu apartamento por risco de desabamento. Acabam se mudando para o apartamento de um amigo, no qual ainda estão alguns pertences da moradora anterior que se recusa a ir lá pegá-los. Após Rana ser atacada dentro do apartamento por um desconhecido, o casal precisa lidar com esse trauma e desvendar a história por trás desse incidente.
     É interessante ressaltar como "O Apartamento" é comparado com "A Separação", outro filme do diretor iraniano Asghar Farhadi. Devo admitir que não lembro de absolutamente nada deste filme, apesar de saber que o assisti há muito tempo, também no cinema. Foi um desses filmes que não deixaram nada comigo, nenhuma marca, lembrança ou afetação. Dessa forma, não posso dizer qual é melhor e quais elementos estão presentes em ambos. O que parece visível é que nas duas obras, é possível ver um duelo de gêneros que vão além de um simples drama familiar. 
     Quando o filme termina, eu pensei comigo mesmo como o aspecto mais presente na história foi o da honra masculina e como Emad personificou o macho que, apesar de artista e intelectual, não conseguiu resolver a confusão criada levando em conta a opinião da esposa. A forma como Emad lidou com o ataque sofrido pela mulher, principalmente no desfecho da história, demonstra bem como o personagem articulou o ataque não só como sofrimento da mulher, mas também como um acontecimento que está relacionado com a visão da sociedade a respeito de seu casamento. Uma das poucas informações que eles tem a respeito da antiga moradora, que não aparece em momento nenhum (o que é uma genialidade do filme, pois toda a história se desenrola na sua ausência sempre presente), é que ela era "promíscua". Essa informação, dada logo no início do filme, já adianta a importância que o discurso sobre os papéis de gênero tem na história, e de como eles serão trazidos ora explicitamente, ora sutilmente. A culpabilização da vítima feminina, a falta de poder de escolha de Rana e a honra machista são alguns pontos interessantes a se discutir através do longa.
     Outro ponto importante é como o casal lidou com o trauma pós-ataque e a quantidade de coisas não-ditas nesse período. A possibilidade de sua esposa ter sido estuprada pairou sobre ambos durante várias cenas sem ser mencionada diretamente, gerando aflição em nós, espectadores. A mesma aflição sofrida pelo personagem que se via diante de algo insuportável e que por isso seria melhor se deixado encoberto. 
     "O apartamento" é um drama familiar com elementos bastante, como a personagem sem rosto e sem aparição, e que se mostra um prato cheio pra discussões sobre papéis de gênero e como o cinema pode trazer isso à tela de forma inteligente e refinada. 
     
Conceito: Muito bom

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Scott Pilgrim contra o mundo


Nome original: Scott Pilgrim vs. the world
Direção: Edgar Wright
Elenco:  Michael CeraMary Elizabeth WinsteadJason Schwartzman
Gênero: Fantasia/Comédia
Ano: 2010

     Sim, é isso mesmo que você está vendo no poster do filme. Uma história sobre um garoto que precisa derrotar 7 "ex-namorados do mal" para poder namorar sua amada.
     Achei essa dica de filme em um vídeo no Youtube chamado "Os 10 melhores filmes hips
ters". Nessa lista, que incluía outro filme com o Michael Cera, o famoso "Juno", são listados filmes com elementos hipsters: vida adolescente, bandas underground, amores juvenis e um humor nerd originalíssimo. Os mesmos elementos encontrados em "Juno" você encontra em "Scott Pilgrim", tornando este quase tão bom quanto o primeiro.
Scott Pilgrim é um jovem de 23 anos que divide um quarto com seu melhor amigo gay e está namorando uma adolescente de 17 anos. Divide sua rotina entre os amigos e os ensaios de sua banda underground de garagem que começa a ganhar visibilidade na noite de Toronto, quando aparece sua musa de cabelo roxo, Ramona, e laça seu coração. Entretanto, para ficarem juntos, ele precisa lidar com seus sentimentos e com a fúria dos 7 ex-namorados da garota, entre eles um atleta vegano formado pela Escola Vegana e que perde seus poderes quando bebe por engano um copo de café com creme.
     O filme é uma brincadeira com as histórias em quadrinhos e as lutas entre heróis e vilões. Baseado realmente em uma HQ, o filme não abandona o estilo e traz à tela a mesma forma de narração com a câmera. Michael Cera parece interpretar o mesmo personagem de "Juno", com uma leve diminuição de sua timidez. O humor inteligente e nonsense e a fantasia fazem desse um filme divertido de se assistir. Como um descanso para a mente, gera admiração pela criatividade e pela ótima adaptação de uma aventura tão fantástica para a tela. 
     
Conceito: Muito bom

Animais Noturnos


Nome original: Nocturnal Animals 
Direção: Tom Ford
Elenco: Amy Adams, Jake Gylenhaal 
Gênero: Drama/Suspense
Ano: 2016

     
   Obra de Tom Ford não é complexa, mas perturba pela capacidade de inquietar as emoções.
     Susan é uma curadora de arte rica, porém frustrada com seu casamento e profissão. Mesmo sem ter contato com Edward, seu primeiro marido, é surpreendida com uma entrega enviada por ele: o manuscrito de sua obra literária, chamada "Animais Noturnos" e que vai trazer memórias e emoções do passado do casal novamente à tona.
     Pelo trailer, a expectativa que tinha desse filme era de um drama psicológico complexo e denso. Porém, com a rapidez com que o roteiro é arranjado, a experiência se torna mais simples, apesar de deixar o espectador desconfortável pelo suspense constante. Desde o início fica claro que o filme todo será sobre a leitura de Susan da obra de Edward e tudo que ela suscita. A única pergunta que se estabelece desde o início até o final da história é: por que o ex-marido escreveu essa história? Uma vez que essa resposta é respondida (nada difícil), não há mais tantas surpresas, a trama fica explicada e termina do jeito esperado. Meio simplório.
     Mesmo assim, é recomendável pelas boas atuações de Jake Gyllenhaal e de Amy Adams, pela bela fotografia e pelo poder de criar emoções perturbadoras. Destaque também para algumas cenas memoráveis, como aquela na qual a protagonista percebe pela primeira vez um objeto que fazia parte de sua rotina, mas que agora se relacionava com a situação da leitura da obra do ex-marido: o quadro no qual se lia 'VINGANÇA'. Como escutei de um conhecido antes da sessão, é sim só um filme sobre vingança. Mas quem não gosta de uma vingança requintada?
     
Conceito: Bom

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Temple Grandin


Nome original: Temple Grandin  
Direção: Mick Jackson
Elenco: Claire Danes, Julia Ormond, David Strathairn
Gênero: Biografia/Drama
Ano: 2010


   Filmes biográficos são especiais por trazerem a seu conhecimento pessoas que você jamais conheceria de outra forma. "Temple Grandin" traz a história da personagem de mesmo nome, diagnosticada com autismo e que ficou conhecida nos EUA por projetar mecanismos de tratamento de gado menos agressivos.
   Com apoio da mãe e contrariando as expetativas dos especialistas, Temple entrou na escola e conseguir se graduar e fazer seu mestrado, tornando-se a autista mais importante dos Estados Unidos em termos acadêmicos. O filme mostra sua vida desde a infância, até época em que ela já estava ficando conhecido no sul dos EUA por causa de seus projetos que atualmente são usados na metade dos matadouros americanos.
    A atuação de Claire Danes consegue passar a ansiedade e o desconforto de uma pessoa que se sente invadida pelo social. Além disso, a edição do filme consegue passar a perspectiva da própria personagem, que pensa por imagens e, exatamente por isso, consegue tanto sucesso nas ciências. Vários efeitos são usados para demonstrar como o raciocínio de Temple funciona., com o bombardeamento de imagens a qual é submetida a todo tempo em seus pensamentos. Julian Ormond também faz um ótimo trabalho, interpretando a mãe de Temple que teve que lutar pelo espaço da filha em uma época onde pouco se falava de autismo. O filme em si funciona como uma boa aula de como é a subjetividade autista, principalmente pelas formas criadas pela personagem para lidar com tal estado, como a "máquina de abraços".
      Uma boa obra para se conhecer essa mulher que ainda está viva e inclusive foi eleita pela revista Times como uma das 100 personalidades mais influentes do mundo.
      
     
Conceito: Bom

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Eu, Daniel Blake


Nome original: I, Daniel Blake
Direção: Ken Loach
Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Dylan McKiernan
Gênero: Drama
Ano: 2016


   
    Daniel Blake é um senhor que, após sofrer um infarto, começa um longo embate com os órgãos públicos pra conseguir receber auxílio financeiro do governo britânico enquanto está de licença médica. É o primeiro filme que vejo que trata do tema.
     A primeira cena do longa já é uma entrevista do Sr. Blake com uma funcionária do governo. Tendo já todos os documentos médicos que provam sua incapacidade de trabalhar, o personagem descobre nesse momento que está entrando numa maratona burocrática de invisibilização, desrespeito e humilhação.    
     Sem nenhuma trilha-sonora e com uma narrativa dura, com cenas como flashes de realidade nos quais a tela escurece antes de passar pro próximo, "Eu, Daniel Blake" é quase um documentário. O próprio nome do filme, uma autoafirmação do nome do personagem, demonstra seu objetivo principal: trazer à visibilidade um cidadão comum, completamente atropelado pela frieza do sistema burocrático de Estado Social que em seu princípio puro e esquecido tem como meta acolher os indivíduos, mas que na prática sucumbe à impessoalidade e à forma de tratamento do ser humano como uma máquina produtiva, um número. Cabe ressaltar aqui que é um cidadão pobre europeu, sendo esmagado pela máquina estatal, elementos bastante raros no cinema.     
     A incapacidade de escuta dos funcionários que lidam com Blake e com sua nova amiga Katie, mãe de 2 filhos e também dependente de auxílios, é cruel. O diagnóstico médico é ignorado durante todas as entrevistas e Blake continua sendo visto pelo governo como apto ao trabalho. A mecanização dos processos e a não possibilidade de abertura de exceções, tudo em nome de uma norma organizadora e eficiente, são devastadores para os cidadãos que se sentem como mendigando por um favor, e não por um direito. A dureza do embate com o governo só é amenizada pela ajuda e o carinho que Blake recebe dos conhecidos, sendo uma luz de resistência a tantas humilhações sutis e impessoais recebidas. O caráter pessimista do filme acaba sendo um pouco diminuído por essas formas de resistência afetiva.     
     Outra novidade é mostrar como defeitos que vemos tão perto, em nosso SUS e em todas nossas políticas públicas, são também presentes em países desenvolvidos. O forte vínculo entre burocracia, rigidez, racionalização de processos e frieza no tratamento faz com que as políticas de assistência esqueçam que estão lidando com seres humanos em situações de extrema fragilidade e que não podem ser resumidos a papéis e números. A burocracia, sistema de regras criadas por nós mesmos, chega a um nível que começa a nos mortificar, como se fossem procedimentos certeiros, únicos e inevitáveis e aos quais só nos resta a adaptação. Dessa forma, o usuário da outra ponta, no caso pessoas em situação de pobreza, acabam por se tornar peças não importantes nesse jogo. A singularidade do humano não deveria ser completamente ignorada quando tratamos do humano em seus momentos de maior fraqueza.     
     O filme de Ken Loach acaba sendo devastador pela carga política e afetiva que despeja na tela. Uma obra sobre a impotência frente a uma máquina política-governamental que insiste em não nos ver, que faz de seus funcionários seres surdos e meros reprodutores de normas cegas.
     
Conceito: Muito bom

domingo, 8 de janeiro de 2017

Capitão Fantástico


Nome original: Captain Fantastic
Direção: Matt Ross
Elenco: Viggo Mortensen, Frank Langella, George Mackay
Gênero:Drama
Ano: 2016




     "Capitão Fantástico" traz as história de Ben, que cria os 6 filhos reclusos em uma floresta, distante do mundo e de uma cultura que julga decadente. Quando sua esposa morre, precisam entrar em um embate com sua família para que seu último desejo, de ser cremada, seja obedecido.
     O filme é válido como disparador de várias discussões sobre nossa cultura. Criando os filhos da forma que julga mais coerente e saudável, Ben os ensina a caçar, a escalar, a estudar filosofia, ciência e os grandes clássicos da literatura. Como um experimento psicológico de educação infantil, as crianças são criadas em um minissociedade alternativa, na qual, por exemplo, ao invés de comemorarem o Natal, celebram o aniversário de Noam Chomsky, o filósofo ativista norte americano.
     No que se refere às críticas sociais, o filme lembra muito "Turista Espacial", também comentado aqui no blog. Os métodos de educação, a visão religiosa e política ensinados por Ben aos filhos fazem com que, em dado momento, eles mesmos se sintam "aberrações" quando tem contato com o mundo exterior, a clássica sociedade americana. Também outro aspecto interessante presente é a visão da morte em diferentes contextos. Sendo budista, a mãe das crianças desejava ser cremada, o que suscitou um embate ferrenho com a família cristã, que queria o típico sepultamento.
     A obra tem como ponto forte essa experiência de imaginar a educação como forma extrema de resistência à comportamentos e discursos compartilhados pela maioria: se não pode com seus inimigos, afaste-se deles. Entretanto, com a ida da família para cidade para honrar a memória da mãe, vamos vendo os conflitos envolvidos nesse projeto polêmico de vida reclusa, pois o fato é que sim, existe o mundo, quer gostemos de sua forma ou não.
     Guardei esse filme como um ensaio de uma possível forma de resistência micropolítica, levado ao grau extremo. Por fim, a pergunta que fica é: como resistir estando incluído no sistema que tanto criticamos? Como encontrar uma postura política que não seja se esconder em uma floresta num regime ultrarracional e nem ser meramente um cidadão urbano médio consumidor de discursos prontos?

Conceito: Bom