Há filmes que são filmes. Histórias contadas usando sons e imagens. Contudo, há filmes que são poesias, poesias audiovisuais que, se lidas no momento certo e pelos olhos certos, proporcionam uma experiência quase epifânica. "Melancolia", uma obra prima de Lars Von Trier, é dessas.
Tal é a grandeza desse filme, que não me contive e me propus escrever uma resenha mais apurada, mesmo já o tendo visto pela primeira vez, há mais de um ano, numa sala de cinema, e tendo deixado um pequeno comentário no blog. É válido dizer que a experiência que esse filme me proporcionou naquela época foi muito maior do que agora que o revi, graças ao momento específico que estava vivendo lá. Mas quando uma arte é boa, não importa quantas vezes você a enxerga, sempre consegue a
ver.
Como os outros filmes do diretor, este contém seus elementos característicos, como a divisão em capítulos, a câmera móvel e a valorização dos diálogos. Entretanto, aqui também vemos o culto à imagem e toda a beleza que esta pode oferecer. Logo no início, a sequência de imagens maravilhosas, semelhantes a pinturas surrealistas, em câmera lenta, demonstram a profundidade do longa.
O primeiro capítulo tem como foco a personagem Justine (Kirsten Dunst) e sua festa de casamento, que acontece na casa da irmã, Claire, e de seu cunhado milionário, o anfitrião. De início, a noiva parece estar vivendo o que espera-se dela: felicidade. Contudo, logo no inicio da recepção, percebemos seu real estado, simplesmente alheia a tudo que ocorre a sua volta e sendo pressionada por todos para "ser feliz". No segundo capítulo, focado em Claire, sabemos que "Melancolia" é um misterioso planeta que passará próximo à Terra e corre o risco de encontrá-la. Com isso, Claire (brilhantemente interpretada por Charlotte Gainsbourg, também presente em "Anticristo", do mesmo diretor), luta contra o desespero, isolada com a irmã depressiva, o filho pequeno e o marido na gigante casa de campo, até o dia da chegada do planeta.
Saber que o diretor se encontrava em uma fase da vida na qual teve depressão dá condições de entender melhor a situação melancólica e pessimista que vive Justine. É impossível alguém que já teve tais momentos não se reconhecer. Talvez a ideia não tivesse funcionado tal bem não fosse a incrível compatibilidade entre as duas atrizes principais, que conseguem construir uma relação irmã-irmã comovente e real.
Frases como
"A Terra é má, não precisamos lamentar por ela. Ninguém sentirá falta", conseguem expressar toda a carga de descrença, frustração e aniquilamento que nós, seres conscientes da nossa futura morte certa, em muitos momentos experimentamos. Os belos diálogos e imagens, juntamente com a trilha sonora de violino, formam a melhor personificação da
melancolia que já vi no cinema. Mais um filme que ao invés de exigir uma mente aberta, exige um coração disposto a absorver as sensações que surgem quando nos conscientizamos da nossa pequenez e fragilidade como humanos.